segunda-feira, 26 de abril de 2010

Vozes incertas

Estava no fim do corredor. As portas abriam e fechavam em diferentes ritmos. O breu e a claridade também se alternavam. Vozes ecoavam pela casa. Eram seres já mortos implorando pela paz que pensavam obter no juízo final, ou talvez fossem apenas alucinações que a alimentavam noite e dia.
Chegou ao ponto de não saber mais diferenciar ser vivo, morto, ou imaginário [ou seja lá o que for]. Ela mesma não sabia mais se era matéria ou uma espécie de espírito conturbado que também não sabia para aonde ir.
A verdade é que ouvia aquelas almas gritando, implorando pela paz que ela nunca teve e sentia-se como elas, a diferença é que estava sem voz.
O corredor vazio, as luzes apagando e ascendendo, as vozes cada vez mais altas ecoando pelo espaço e ela lá: no final, com os olhos que gritavam mais do que o coral de espíritos, procurando concretude onde não existia.
"Tenho medo", pensou, mas não temia as vozes e sim ela mesma. Não tinha mais controle de seus sonhos, de seus atos. Passou pelo corredor e sentiu, subtamente, o silêncio surpreso dos mortos [ou seja lá o que forem]. Seus poros exalavam cheiro de incerteza que chegava a assombrar suas próprias alucinações.
Abriu a porta de casa, olhou a rua vazia. As vozes da casa a acompanharam e no trajeto, também se juntaram as das esquinas. Subiu as escadas do prédio que fizera dela o ser mais feliz e infeliz simultaneamente nos últimos tempos. A cada degrau que subia, cravava em si um punhal imaginário [ou não] que lembrava todos os momentos quais não viveu, por não conseguir diferenciar ilusão de realidade. Naquele momento só pensava no adeus que nunca teve coragem de dar àquele homem.
"Tenho medo do que fiz ou do que não fiz até aqui". Chegou no corredor onde o conheceu. Nesse ponto, as vozes caladas estavam ainda mais assustadas: perderiam o único ser que podia alimentar a esperança de trazê-las paz. Chegou ao fim do corredor. Olhou para traz. Pediu [talvez mentalmente] perdão por sua incompetência. Lembrou a imagem do homem que a acompanhou até então. "Acho que gosto de você", disse, com a certeza [a única que tivera até então] de que ele não ouviria.
Sentiu a brisa dos nove andares. Dormiu. Acordou em casa. Gritou por alguém que estava no fim do corredor, mas esse não dizia nada. Só olhava... Sentiu seus poros cheios de incerteza e calou-se no momento em que o ser passou pelo corredor. Era ele, mas ainda não conseguia ouvir sua voz.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Igual

De inicio, procurou refúgio na arte. Com o tempo começou a perceber que todos os artistas quais inspiravam ela, eram tristes, solitários, sombrios, desgastados pelas drogas que aliviavam um pouco a dor. Viu-se no mesmo estado: jogava nos poemas e em sua voz todo o nó entalado na garganta, mas a verdade é que quanto mais tentava expulsá-lo, mais ele se acumulava. Noites em claro declarando guerra aos injustos. Dias sem luzes, sem paz! Só chorava, só sentia uma angústia que parecia que ia explodir.
Encontrava-a sempre no bar tentando anestesiar o nó na garganta, a maldita dor que a surrava por inteira todos os dias. Era um misto de álcool, fumaça, histórias e revolução. Naquele dia, não quis se envolver. Resolveu reparar. Foi então que percebeu que de todos os caminhos, talvez aquele fosse o pior e, ao mesmo tempo, o único no qual encaixava sua maldita habilidade [a de gritar pros que não têm ouvidos]. Lembro-me que todos os que estavam com ela discursavam sobre a luta por igualdade, mas, ironicamente, queriam sempre se mostrar acima uns dos outros. Uma contradição que a infectou! Só que a diferença era: ela sabia que estava contaminada, era nítido em seus olhos, até na forma com que pegava o copo e engolia aos poucos aquele líquido que continuava sendo a única esperança de aliviar o nó. Observou o menino que chegara. Na mesma situação: tentava anestesiar a dor que sentia, a dor de estar vivo. Descalço, sujo, com tinta na mão e um pedaço de gesso. Um artista, como ela. Aproximou-se para mostrar seu grito. Os “companheiros” o viram chegando e, em suas mentes, eu ouvia os comentários: “mais um! Não vou solucionar o problema dele dando moedas, é preciso revolucionar”. Já ela, olhou-o com maior compaixão: “ele sou eu, feito do que sou feita, sobrevivente da dor”, deu o que tinha e sabia onde esse dinheiro ia parar. Os “companheiros” não concordaram: “atitude equivocada! Ele vai pegar a grana pra se drogar!”. De súbito ela pensou: “E o que estamos fazendo aqui?”, mas achou melhor não comentar, seria em vão. Eles eram os melhores, suas mentes talvez não teriam abertura pra pensamento inferior.
Decidiu partir. A segui. Notava-se de longe a confusão dos seus passos sem direção pelas ruas vazias. Ela gritava pelos olhos: “porque cheguei aqui se sabia que era um caminho falho? Será que terei que morrer de tanto berrar um nó que só aumenta, como os outros artistas?”... Ter consciência de qual será seu destino é triste, ainda mais quando não se enxerga outro caminho! O silêncio das avenidas ajudava os seus berros sem voz. Como seria possível uma igualdade, se a realidade onde estava inserida propunha [nas entrelinhas das mentes] uma hierarquia? Constatava olhando pros seus pés quase correndo, depois suas penas, braços, mãos, que o que estava tatuado nela, era tudo o que ela ia contra. Como arrancaria as marcas implantadas nela desde que nasceu? Como lutaria por algo que exterminaria o seu ser e o dos que a acompanhavam?
Viu-se diante do teatro onde iniciou sua vida artística. Pensou: “maldita hora que entrei aqui! Deram-me uma visão mais ampla e, de brinde, ganho um nó cada vez maior!”. Entrou. Relembrou todos os primeiros estímulos que a fizeram questionar a realidade, que a fizeram pensar. “Pensamento maldito”... Foi se acomodando. Adormeceu. Quando acordou olhou o redor, engoliu a saliva seca, que mal passava pela garganta ocupada, pegou a mochila, cumpriu seus deveres diários, e, ao anoitecer, deparou-se mais uma vez no bar, com os mesmos “companheiros”, os mesmos discursos e com o artista pintor na porta, jogado, morto, feliz. Não o perceberam. Fez o sinal da cruz e ascendeu um cigarro... “Logo vem a minha vez: eu triste, solitária, sombria, desgastada pelas drogas que aliviam um pouco a dor de estar onde não quero”.

domingo, 11 de abril de 2010

Lixo de Tolo

Sou tola, como a dor que me constrói.
“Aonde cheguei, meu Deus?”, pergunto-me.
Sinto que a resposta é sempre a mesma:
”No lugar onde quiseste!”.

Parece peste esse interesse pelo que é vazio.
Não há anestésico que tire o sufoco de senti-lo.
Percebo meu corpo sombrio,
Meus pensamentos, meus olhos, meu útero, meu futuro filho [o poema].
Fico no dilema:
“Brigo comigo mesma, ou deixo que o nada percorra minhas veias
E faça do meu sangue veneno para as almas alheias?”.

Tenho medo de mim,
Do que posso aniquilar por estar me destruindo
Do que não posso levantar por ter base fraca
Do nó cada vez maior entalado na garganta
Querendo gritar palavras que só existem nos corações amargurados.

Os retratos que tenho tirado mostram sempre uma só flor,
Desbotada, com as pétalas caindo...
Assim tenho me sentido.
E cada pedaço meu que se vai, é uma punhalada que contrai meu corpo
E, de repente, percebo que o espaço que tenho ocupado é pouco
Diante da imensidão do vazio que abrigo.

Espero, então, a hora de me despetalar por inteira,
Pra que, talvez, eu me torne uma nova guerreira
E saiba lutar contra a besteira de se deixar levar pelo nada.