terça-feira, 20 de abril de 2010

Igual

De inicio, procurou refúgio na arte. Com o tempo começou a perceber que todos os artistas quais inspiravam ela, eram tristes, solitários, sombrios, desgastados pelas drogas que aliviavam um pouco a dor. Viu-se no mesmo estado: jogava nos poemas e em sua voz todo o nó entalado na garganta, mas a verdade é que quanto mais tentava expulsá-lo, mais ele se acumulava. Noites em claro declarando guerra aos injustos. Dias sem luzes, sem paz! Só chorava, só sentia uma angústia que parecia que ia explodir.
Encontrava-a sempre no bar tentando anestesiar o nó na garganta, a maldita dor que a surrava por inteira todos os dias. Era um misto de álcool, fumaça, histórias e revolução. Naquele dia, não quis se envolver. Resolveu reparar. Foi então que percebeu que de todos os caminhos, talvez aquele fosse o pior e, ao mesmo tempo, o único no qual encaixava sua maldita habilidade [a de gritar pros que não têm ouvidos]. Lembro-me que todos os que estavam com ela discursavam sobre a luta por igualdade, mas, ironicamente, queriam sempre se mostrar acima uns dos outros. Uma contradição que a infectou! Só que a diferença era: ela sabia que estava contaminada, era nítido em seus olhos, até na forma com que pegava o copo e engolia aos poucos aquele líquido que continuava sendo a única esperança de aliviar o nó. Observou o menino que chegara. Na mesma situação: tentava anestesiar a dor que sentia, a dor de estar vivo. Descalço, sujo, com tinta na mão e um pedaço de gesso. Um artista, como ela. Aproximou-se para mostrar seu grito. Os “companheiros” o viram chegando e, em suas mentes, eu ouvia os comentários: “mais um! Não vou solucionar o problema dele dando moedas, é preciso revolucionar”. Já ela, olhou-o com maior compaixão: “ele sou eu, feito do que sou feita, sobrevivente da dor”, deu o que tinha e sabia onde esse dinheiro ia parar. Os “companheiros” não concordaram: “atitude equivocada! Ele vai pegar a grana pra se drogar!”. De súbito ela pensou: “E o que estamos fazendo aqui?”, mas achou melhor não comentar, seria em vão. Eles eram os melhores, suas mentes talvez não teriam abertura pra pensamento inferior.
Decidiu partir. A segui. Notava-se de longe a confusão dos seus passos sem direção pelas ruas vazias. Ela gritava pelos olhos: “porque cheguei aqui se sabia que era um caminho falho? Será que terei que morrer de tanto berrar um nó que só aumenta, como os outros artistas?”... Ter consciência de qual será seu destino é triste, ainda mais quando não se enxerga outro caminho! O silêncio das avenidas ajudava os seus berros sem voz. Como seria possível uma igualdade, se a realidade onde estava inserida propunha [nas entrelinhas das mentes] uma hierarquia? Constatava olhando pros seus pés quase correndo, depois suas penas, braços, mãos, que o que estava tatuado nela, era tudo o que ela ia contra. Como arrancaria as marcas implantadas nela desde que nasceu? Como lutaria por algo que exterminaria o seu ser e o dos que a acompanhavam?
Viu-se diante do teatro onde iniciou sua vida artística. Pensou: “maldita hora que entrei aqui! Deram-me uma visão mais ampla e, de brinde, ganho um nó cada vez maior!”. Entrou. Relembrou todos os primeiros estímulos que a fizeram questionar a realidade, que a fizeram pensar. “Pensamento maldito”... Foi se acomodando. Adormeceu. Quando acordou olhou o redor, engoliu a saliva seca, que mal passava pela garganta ocupada, pegou a mochila, cumpriu seus deveres diários, e, ao anoitecer, deparou-se mais uma vez no bar, com os mesmos “companheiros”, os mesmos discursos e com o artista pintor na porta, jogado, morto, feliz. Não o perceberam. Fez o sinal da cruz e ascendeu um cigarro... “Logo vem a minha vez: eu triste, solitária, sombria, desgastada pelas drogas que aliviam um pouco a dor de estar onde não quero”.

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