segunda-feira, 29 de junho de 2009

Passos

Eu tenho medo, confesso.
O próximo passo é também o que não darei.
Nunca sei ao certo para aonde ir,
Por não querer deixar nada para trás.
Não busco a escolha certa,
Mas uma vida ao menos completa de vivência.
E dessa existência, não experimentarei a metade.
Porque não posso ser duas, três, mil?
Quero a infinidade do possível!
Dar todos os passos, amarrar todos os laços,
Ter tempo para amar o não cabível.
Toda essa monotonia chamada única escolha
Faz do abismo um buraco raso,
Do impossível um desejo raro,
Faz da realidade uma concretude desinteressante.
Eu quero tudo que meu sonho me impõe.
Tudo que o desconhecido propõe.
Eu quero ser o que não pensei
E não ter motivo pra temer,
por poder dar todos os passos que meus pés gritam.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Menino Bonito

Certo dia, movida pela embriaguez, deparei-me com um menino... Lindo! (Poderia ser mais, se não fosse aquele jeito de quem olha para baixo, como se não pudesse levantar a cabeça, como se alguém o mandasse se manter ali, no chão; como se ele não soubesse mais olhar para o sol, para a luz)
Perguntei o que fazia naquele lugar impróprio para alguém da sua idade. A madrugada era fria, ele estava descalço. Nada respondeu. Só olhou pra o objeto em minha mão, que continha ainda a bebida qual antes daquele momento me proporcionara uma felicidade ilusória. Não entendi. Um amigo que me acompanhava naquele dia, após beber tudo que continha em sua lata, jogou-a no chão e, feito criança atrás de doce, o menino correu atrás do tão glorioso guardador de bebidas. Perguntei se era a nova forma de brincar dos meninos de hoje em dia [eles andam um pouco diferentes dos da minha época]: colecionar latas para depois fazer sabe lá o quê.
Ele, por um raro instante, levantou a cabeça, sorriu de lado, se encheu de um rancor que gritava pelos seus olhos e poros, e disse: "Tô brincando de viver".

Desde então ando bolando alguns planos pra morrer antes de conhecer a tal vida.

Espírito

Como um espírito volta ao lar que deixou
E novamente tira todos os cômodos.

Eu já havia enfeitado a casa
[Não com cores e objetos tão bonitos
Como quando você estava,
Mas havia].

Tem o poder de destruir tudo que construo.
É avassalador nas palavras, nos gestos, nas lembranças.
Retomar a história que foi vivida
É ter certeza que igual a você, não existe.

Por isso, insiste em relembrar tudo!

Contudo, agora, não é possível voltar...
Você é espírito e só.
É apenas o que diz, é pó, e não pode ao menos segurar minhas mãos
[quais tantas vezes ensinou o que fazer].

Fui assassina desse crime que não quis cometer
Para poder me livrar da necessidade de declamar tantas vezes teu corpo.

Não volte mais aqui, feito louco, querendo destruir o que finjo ser verdade.
Não há mais necessidade do que passou.
Contaminou-me e ensinou-me tudo o que sou,
Mas o seu espírito não cabe mais em mim.

Vá, viva o seu mundo sem fim [dos mortos]
Construa mais paixões, mais ilusões, mais dores.
E me deixe aqui,
Tentando ser feliz com pseudo-amores, infilntrando-me em seus singelos poros.

Rezarei por você!

Espírito de luz,
Afaste-se de quem tem medo de cometer suicídio por um capricho,
Por um desejo imenso de novamente, feito bicho, querer te ter.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Meu homem mundano

Chegou como se ainda fosse costumeiro estar presente.
Deitou em minha cama, olhou para o ventilador que fazia uma melodia particular sobre ele, e contou histórias que viveu desde a ultima vez que me viu [em prantos, no meio da avenida, declamando ódio pelos poros]. Não sei se o intuito dele era me enciumar, ou me deixar bem, só sei que nada me importou naquele momento. Só a voz dele, a boca, o sorriso, os pés cheios de pêlos, o cabelo despenteado, e o cheiro de perfume misturado com o álcool das bebidas deliciosas que é viciado em beber.
De repente, olhou pra mim e pediu que contasse o que também acontecera nesse meio tempo.
Assustei-me.
O que haveria acontecido enquanto ele não estava? Tentei rebuscar na minha mente primeiro palavras de mínima importância, depois palavras extraordinárias que gritassem que por aqui eu estive muito bem, bebi como ele, saí como ele, beijei, fiz amor tanto quanto ele deveria ter feito, ou mais. Mas, tinha certeza que isso não acontecera. Que eu não deixei minha boca trair os lábios canibais dele, não deixei meu sexo trocar o dele [tão bom] que me ardia e explodia em palavras e gemidos quais eram as inspirações para as minhas futuras poesias. E essas eram as únicas certezas que eu tinha naquele momento.
Resolvi dizer o que me vinha à mente, sem pensar demais. Esse negócio de orgulho tinha me afastado dele de tal maneira que esqueci as coisas e me enchi de uma consciência falha. Foi preciso despir-me desse para que eu fosse quem ele sempre experimentara. Ele também se despiu. Estava aqui, ao lado, contando o que acontecera. Era estranho, mas havia voltado. Não sei com qual intuito... Contudo, trouxe o seu cheiro, o seu cavanhaque, a sua blusa preta com enfeites brancos, o seu sorriso, a sua poesia, e ele sabia que era isso que me fazia cometer loucuras por ele.
Homem! Ele sempre soube ser homem. Não só na cama, mas na hora de derreter uma mulher. Qualquer momento para ele é momento de fazer uma mulher se sentir a tal. Poderia chamá-lo de canalha, só que não é. Ele é homem [em dias de hoje, leitor, convenhamos que é difícil reconhecer um homem de verdade] e eu não poderia dizer mais nada além de:
- "Estive o tempo todo pensando em você. Em seus beijos, em suas mãos, em seu sexo. Desde que se foi não fui de mais ninguém. Nem meu corpo, nem meus pensamentos e não me sinto mal por isso. Pelo contrário. Preenchi-me mais de você, conheci mais você, porque a distância também ajuda a avaliar o ser que continua presente na gente. E não posso dizer nada mais, já que nada mais recordo além de você na minha vida, seja de qual maneira for".
Ele sorriu. Parecia que essa resposta já era esperada. É, eu não sei ao certo se era isso mesmo, mas como eu não recordava e essa resposta era a mais conveniente pro momento ficar mais exótico, a preferi. Também disse coisas mais que o momento não convém dizer, mas o leitor já pode imaginar.
Ele botou a mão em minha nuca, pegou-me pelos cabelos [que já estavam mudados e mais fáceis de segurar] daquela forma bruta que eu ficava louca e começamos assim a nossa poesia.
Essa era mais bonita. Tinha um quê de saudade do que passou e do que poderia vir. Fiz tudo o que eu não havia feito durante aquele antigo tempo. Não tinha mais pudor nenhum pela certeza que eu obtivera nesse tempo da sua ausência sobre a paixão que eu o tenho.
Foi o melhor de nossos momentos.
Por fim, levantou da cama, vestiu-se, olhou-me inteira [estava com cara de boba apaixonada, que nem essas crianças ficam quando dão o primeiro beijo e ao mesmo tempo com cara de mulher ainda cheia de desejo, pedindo mais], sorriu [um sorriso eterno], beijou-me a testa e disse:
- "Agora que te fiz mulher de verdade, não seja só minha. Não gosto de monopolizar o que transformei, como esses capitalistas fazem [ele é um desses revolucionários socialistas quais ainda acreditam que o mundo pode ser de todos]. Depois que você conhecer mais esse sexo que só eu te dou, depois que você passar por alguns outros homens, eu volto e te faço novamente só minha".
Mais uma vez sorriu, esse sorriso era de lado.
Virou-se.
Em frente à porta olhou para trás, disse:
- "Se cuida".
Você, leitor, deve estar imaginando agora o quanto eu devo ter ficado mal, irritada, ou magoada. Mas, não. Não guardei em mim sentimentos ruins. Pelo contrário. Ele, por ser homem, tem o dever de fazer mais mulheres e eu, por ser mulher agora feita por ele [e não pelos que já haviam passado, quais nem me recordo ao certo], também tenho o dever de fazer homens. Eu entendi que ele me quis como uma aliada para socializar ao mundo o sabor indescritível do gozo, do sexo, da vida. Que homem era ele! É de se entender que um homem como ele não foi feito para uma só [pelo menos no início de sua juventude]. Desperdício! Por isso, sinto-me muito feliz e realizada. Enquanto faço homens, conheço homens, o aguardo impacientemente, já que, apesar dele ser do mundo, ele disse que iria voltar só pra mim. E ele vai voltar.
Um homem [sem dúvidas] só meu.

domingo, 21 de junho de 2009

Bilhete de quem não tem orgulho

Já virou costume repousar meu corpo
Pensando no teu.
Mania, fome, sede de você.
Eu não quero mais saber o que faz:
Quem fere, quem cuida, quem magoa, quem ama.
Quero somente que não me deixe mais uma vez
Deitar nessa cama que te grita a todo o tempo.
Mesmo que eu queira, nada quer te deixar ir embora.
Teu corpo foi, mas ficou tudo que é teu aqui.
Esse leito que tantas vezes foi nosso,
Faz dos destroços um novo castelo.
E eu quero de novo provar
A dor de te ver penetrar em meu corpo,
Ossos, poros...
Em minha alma!
Tudo ao redor declama teu nome.
Te espero com fome do teu íntimo,
Com sede da tua saliva,
Com desejo da tua essência.
Volta,
Antes que eu me apaixone pela tua imortal lembrança.

Inexisto

Então, deparo-me com a realidade das ruas.
Olho pra trás e não vejo as marcas dos meus passos.
Reconheço: inventei tudo até chegar aqui.
Não persiste mais em mim,
Diante deste cotidiano desconhecido,
O sentimento.
E eu descubro, sustentada pela suposta verdade do mundo,
Que sou tudo o que não é.
O que me completa não existe.
Meu fim só não é triste,
Porque nada sei sobre o começo.
Arremeço-me agora contra a tempestade desses corpos frios
Na esperança de que a formalidade dos dias comuns e sombrios,
Tranforme-me em alguém que seja o que realmente existe.

sábado, 20 de junho de 2009

Último Passo

Note: Já não estou mais aqui.
Fui embora, com o peso nas costas
De quem não soube para onde ir.
A nova aurora reforça a incerteza dos meus passos.
Não há mais laços, abraços... Não há cor.
É dor o que me guia.
Minha única companhia é a noite:
Seu silêncio, suas almas que vagueiam sem luz...
Sou o passado do meu fim,
O último passo diante da imensidão da morte.
Não quero a infeliz sorte de poder sobreviver.
A vida é para os fortes,
E cada vez mais me sinto invisível:
Quanto mais fraca, mais me vejo desaparecer.
O que ficou de mim diante de ti,
Foi essa carcaça mal feita
De quem não quer receita pra recomeçar a vida.
O que restou daquela querida que te fazia sorrir,
Foi a imagem maldita
De quem não soube dialogar com o caos,
Senhor soberano do dia-a-dia.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Reparei, amor.

Hoje eu reparei, amor,
Que as linhas retas do caminho não valem a pena.
Acho um pecado querer àquela frente tão pequena,
Enquanto perto há um mundo de possibilidades.
Ruindade, amor, sonhar com o difícil,
É precipício que os comuns têm mania almejar...
Não quero o mesmo vício!
Se é pra me jogar
Que seja nos braços de quem está ao meu lado,
Se é pra cometer suicídio
Que seja de um precipício mais simples,
E mais gostoso de voar.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Alguma coisa que veio para mim, ou está indo embora

Eu me despeço de tudo que fui para ser o que ainda não sei.
Não cansei de mim, só não consigo mais lidar e tenho medo.
Medo que está consumindo até as minhas horas fraternais com meu corpo e pensamentos.
Angústia, o nome.
Angústia que estupra meu último pudor e alimenta todas as lástimas.
Não quero mais meu corpo, minha voz, meus desejos.
Entre a vida e a morte vejo semelhanças e mais vantagens na última, talvez.
“O que você fez?”,
Pergunto-me.
Mas, não me dou o direito de resposta, porque abomino minhas conclusões.
Estúpida, cruel, divina é o que sou. Ou melhor, o que fui.
“E agora?”,
Mais uma vez me faço pergunta. Esta, sem reposta.
A estrada escura me atrai.
Lá não verei rostos, corpos, olhos, e não verão quem serei.
E me aceitarão.
Não falarei, não profetizarei como de costume,
Não amarei, não julgarei e mentirei.
Mentirei porque é a mentira que move e se não saí daqui até hoje,
Foi porque minhas verdades me prenderam.
O que há na verdade além do ar falso de alguém que não sabe viver?
Estou diluindo junto do meu sangue toda a minha energia e fantasia,
E me rasgo por inteira,
E me vejo escorrer por cima das marcas dos passos de quem já se foi.
E avanço por entre vermes e flores,
E me escondo no ninho dos mortos,
E me recrio sem saber o que me tornei.
Ainda não mutilei a angústia e as dores.
Uma resposta? Eu não sei.

domingo, 14 de junho de 2009

Vou sim Senhor

No dia 29 de maio de 2009, a escola técnica de interpretação teatral SATED foi retirada do Retiro dos Artistas. Pelos anos que vivi lá, por tudo que aprendi, escrevi esse texto e, por mais que as palavras sejam a única forma concreta de traduzir o que sentimos, eu não consegui colocar nelas tudo o que sinto. Infelizmente nem todos são artistas [lembrando que ser artista não é só se formar como algum ícone da arte, é simplesmente apoiá-la e admirá-la] e foi preciso dar "adeus" a minha raiz e de muitas outras pessoas!


(...)


Ele diz: “vai”.
Vou sim.
Mas, meus passos ficam.
Minhas histórias continuam aqui.
“Vai”.
Vou sim,
Mas deixo de presente essa minha sede, esse meu amor por tudo que vivi.
Vou, vou com o coração aqui.
Com o principio das minhas ideologias,
Com minhas raízes mais findas que ninguém pode mandar ir.
Sabe o que vai acontecer, Senhor Destruir?
Todos irão como queres,
Mas até em ti ficará essa essência,
Esse gosto pelo que se viveu.
Restará em ti o vazio,
A falta de troca,
O estágio sombrio da vida.
Não percebes, Senhor Capital,
Mas o valor que dás ao banal é tão pequeno quanto teus pensamentos.
E logo se arrependerá e logo cairá no esquecimento!
A gente vai.
Estamos indo...
Abrindo essa porta que nós construímos,
Levando essa alegria que nós trouxemos,
Carregando no peito o desejo de fazer mais,
E deixando pra ti - com muito gosto - a infelicidade de não mais poder caminhar.
Continue aqui:
Cuide das árvores,
Das folhas que a gente catou,
Dos frutos que a gente colheu,
Das histórias que a gente viveu,
Dos mitos que a gente aprendeu,
Dos senhores que demos as mãos
E os fizemos lembrar seu valor.
Senhor Desamor, falta em ti o que nós temos de sobra,
Que é a arte de saber viver,
De saber construir,
De saber partir e mesmo assim ficar.
A gente deixa o lugar que a gente ama
Marcado pelos nossos corpos.
E eu te garanto, Senhor dos Destroços,
Que o próximos Senhores que trouxeres
Vão ouvir nossa voz ausente,
Vou se encantar pelos nossos mistérios
Vão nos querer ver,
Não conseguirão e partirão...
Deixando aqui também a enorme vontade de assistir quem construiu o que tu quiseste - mas não conseguiste - destruir.
Obrigada, Senhor Ignorância, pelo nada que és.
E por nos dar o espaço para mostrarmos que somos tudo
Aqui, em nosso lugar...
E aí, dentro da oca e infeliz realidade do teu mundo.
Adeus.